domingo, 9 de fevereiro de 2014



Fernando Liguori


O presente texto são trechos selecionados de palestras ministradas aos alunos do ‹‹Curso de Kuṇḍalinī Yoga›› realizado pelo Instituto Kaula Yoga de janeiro a março de 2011. No kuṇḍalinī-yoga o processo de transformação e auto-realização é conquistado através da manipulação e o despertar do prāṇa e o sistema de cakras, não através do controle e concentração da mente. Neste curso de kuṇḍalinī-yoga foram apresentadas informações sobre o despertar da kuṇḍalinī, cakras, nāḍīs etc. em concordância com os śāstras do tantrismo e as upaniṣads mais tardias, pós-Patañjali. Apresentamos também pesquisas científicas que nos tempos modernos comprovaram a existência da kuṇḍalinī. Em nossa exposição, não traçamos distinção entre a tradição Védica e o Tantra, mas uma aproximação, uma vez que o kuṇḍalinī-yoga está presente tanto nos ensinamentos tântricos como no Vedānta apresentado nas Upaniṣads do Yoga.

COMO mencionamos anteriormente no estudo sobre os āsanas, as upaniṣads pós-Patañjali descrevem o processo do Yoga com um propósito definido: o despertar da kuṇḍalinī. Portanto, o aspecto prático de nosso curso são as técnicas de kuṇḍalinī-yoga que na maioria das vezes são significantemente diferentes das técnicas do haṭha-yoga que normalmente ensinamos aos alunos do Instituto Kaula Yoga. Mas uma coisa deve estar clara desde o início: as técnicas de kuṇḍalinī-yoga apontadas nas upaniṣads não são adequadas para prática geral, quer dizer, elas não são adequadas para as pessoas que ainda estão dando seus primeiros passos no Yoga. Geralmente, pede-se um mínimo de dois a três anos na prática do haṭha-yoga antes que o praticante inicie sua jornada pelo kuṇḍalinī-yoga. Como vocês são praticantes ou professores de Yoga há algum tempo e fizeram conosco o curso de ajapa-dhāraṇā, uma das melhores técnicas de preparo para o kuṇḍalinī-yoga, acredito que não teremos problemas.

As Upaniṣads do Yoga dizem que as práticas de āsana, prāṇāyāma, mudrā, bandha e kriyā devem ser executadas de maneira que seu efeito não se limite apenas ao corpo físico e suas experiências. Elas definiram um corpo sistemático de práticas espirituais capazes de desenvolver um tipo de consciência, equilíbrio e unidirecionamento mental que induz o despertar da kuṇḍalinī-śakti. Essas técnicas são efetivas em seu intento na medida em que o praticante avança em suas práticas enquanto obtém preparo e orientação de um guru ou um professor qualificado. O termo upaniṣad significa ensinamentos aprendidos aos pés do mestre.

Antes de entrarmos na exposição prática do prāṇāyāma no kuṇḍalinī-yoga, o uso da respiração nas técnicas de prāṇāyāma deve ser esclarecido. A respiração é o meio através do qual adquirimos consciência do movimento prânico, ou seja, a expansão e o relaxamento do prāṇa. Por ser muito difícil se aprofundar na experiência do movimento do prāṇa, inicialmente é necessário utilizar a respiração a fim de se internalizar as faculdades sensoriais. A prática do prāṇāyāma realmente começa quando a consciência prânica envolveu todos os aspectos da mente.

Três aspectos do prāṇāyāma

1. Consciência do prāṇa: Existem diferentes estágios da prática que nos possibilitam desenvolver a consciência do prāṇa. O primeiro estágio é a consciência da conexão entre a respiração e o prāṇa em um nível grosseiro, a inspiração e expiração através das narinas. O segundo estágio a consciência da vitalidade que está sendo absorvida pelo corpo a partir do ar que está sendo respirado. O terceiro estágio envolve a consciência da força prânica que se torna ativa, não apenas nas funções grosseiras ou físicas do corpo, mas também nas experiências sutis que a mente e os sentidos estão experimentando. O quarto estágio leva o praticante as profundezas da estrutura energética do corpo, onde ele se torna consciente da essência da energia, a pulsação do prāṇa (prāṇa-spandana).

2. Prāṇa-nigraha: O segundo aspecto é prāṇa-nigraha, que concerne a manipulação ou controle da respiração em conjunto com as reações físicas e mentais que estão relacionadas a respiração e ao prāṇa. Um exemplo muito bom desta prática são os prāṇāyāmas combinados com bandhas e outras técnicas. Aqui, a sensação de perda do controle sobre as faculdades normais da respiração levam a agitação tanto física quanto mental. Assim, técnicas como nāḍī-śodhana-prāṇāyāma, kapālabhāti, bhastrikā etc. não são, exatamente, técnicas de prāṇāyāma, mas de prāṇa-nigraha. Elas controlam o fluxo de ar dentro do corpo, ajustando os sistemas corporais com o fluxo aéreo, para que dessa maneira não haja desconforto tanto nas experiências físicas quanto mentais.

3. Expansão do prāṇa: Uma vez que tenha se adquirido controle sobre o processo respiratório junto com as várias funções sutis conectadas a respiração, a expansão do prāṇa começa. Este é o estágio final do prāṇāyāma. A expansão do prāṇa ou a técnica real do prāṇāyāma lida com os três prāṇas principais. No primeiro estágio, o fluxo de prāṇa-vāyu, a energia que se move para cima entre o diafragma e a garganta, é revertido e empurrado para baixo em direção ao plexo solar. No segundo estágio, o fluxdo de apāna-vāyu, a energia que se move para baixo entre o umbigo e o períneo, é revertido e puxado para cima em direção ao plexo solar. No terceiro estágio, prāṇa e apāna se fundem com samāna-vāyu na região do plexo solar.

Estes são os três estágios do prāṇāyāma referidos por Patañjali no Yogasūtra. Para reverter o fluxo descendente de apāna, inspire e puxe a força de apāna para cima. Expire e empurre apāna novamente para baixo. Para reverter o fluxo ascendente do prāṇa, inspire e empurre a força do prāṇa para baixo. Expire e puxe o prāṇa novamente para cima. Para integrar apāna e prāṇa com samāna, inspire e reverta o fluxo de apāna e prāṇa simultaneamente, trazendo-os a região de samāna, no plexo solar. Retenha o fôlego e integre estas duas forças em agni-maṇḍala. Expire e simultaneamente empurre apāna novamente para baixo e prāṇa para cima. Este também é o mecanismo sobre o qual os bandhas se apóiam no kuṇḍalinī-yoga.

Prāṇa e o cérebro

Existem dois aspectos do prāṇa. Um é conhecido como prāṇa-śakti, que compreende os pañca e upa-prāṇas. O outro é conhecido como cit-śakti ou manas-śakti, que é a força mental ou consciente, cujo lugar é no cérebro. Os Prāṇa-vāyus são o meio pelo qual os sinais nervosos viajam pelo corpo. Sem prāṇa não pode haver movimento. O cérebro contém dez compartimentos, mas no presente estágio de nossa evolução nós utilizamos apenas um desses compartimentos. Assim, existem nove compartimentos no cérebro que estamos tentando despertar e integrar em nossa personalidade consciente.

A fim de despertar os outros nove compartimentos de nosso cérebro que estão adormecidos, precisamos expandir o prāṇa as diferentes áreas obscuras do cérebro, pois a parte iluminada ou consciente é senão um pequeno fragmento de um grande potencial. Em nossa vida diária utilizamos especialmente o lóbulo frontal do cérebro. Mas de forma oculta, contudo, existe uma atividade inconsciente que não pode ser percebida, algo que não conhecemos e que está ocorrendo abaixo do nível normal de nossa consciência. É a relação entre a parte consciente e inconsciente de nós mesmos que estamos lidando com a prática do prāṇāyāma, quer dizer, como fazer com que a parte consciente de nossa personalidade entre em contato com a parte inconsciente de nosso cérebro, principalmente a estrutura denominada sistema de ativação reticular.

Na base do cérebro existe uma estrutura chamada sistema de ativação reticular (SAR), que pode ser considerada o mūlādhāra do cérebro. É a partir do SAR que a energia sobe e desperta as funções em outras partes do cérebro. Logo acima do SAR existe a medula oblonga que contém centros respiratórios e o hipotálamo que controla o medo, raiva, pressão sanguínea, fome, prazer, sexualidade e outras funções, incluindo a glândula pituitária e o sistema nervoso autônomo.

A estrutura que controla a respiração existe na base do cérebro e é esta parte dele que somos capazes de influenciar pela execução das técnicas de prāṇa-nigraha. De todas as funções automáticas inconscientes do sistema nervoso autônomo, a única que pode ser conscientemente controlada é a respiração.

Assim, é dito que a respiração é o mecanismo para se controlar todos os processos internos do corpo como p.e. as batidas do coração, a digestão, a pressão sanguínea, excreção e absorção. Desenvolvendo uma relação consciente com a respiração, através das técnicas de prāṇa-nigraha, somos capazes de influenciar os aspectos mais profundos da mente subconsciente.

Método de ensino

Com respeito as diferentes variações ou métodos de prāṇāyāma, devemos sempre nos lembrar que estas técnicas nunca foram ensinadas para o público em geral como é o caso dos āsanas. Prāṇāyāmas sempre foram ensinados de acordo com a constituição e condição física-mental, através da observação e avaliação da natureza de cada estudante. Não existem regras fixas concernentes a prática do prāṇāyāma. Por exemplo, em relação à velocidade da prática, deve-se considerar a capacidade de cada indivíduo e saber o que ele espera alcançar.

Exceto pelas técnicas mais básicas como respiração abdominal, respiração alternada pelas narinas e respiração proporcional, que podem ser executadas por qualquer pessoa, prāṇāyāmas avançados nunca foram ensinados em aulas de Yoga para o publico em geral. Os prāṇāyāmas que estimulam as nāḍīs e os prāṇas, que alteram o sistema nervoso e outros sistemas, nunca foram ensinados com regras estruturadas para todas as pessoas. Tudo depende da observação acurada do professor que deve conhecer a ciência do prāṇāyāma e isso é um estudo para toda a vida.

As técnicas do haṭha-yoga e kuṇḍalinī-yoga

Nas técnicas de kuṇḍalinī-yoga, a inspiração muitas vezes ocorre através de piṅgalā-nāḍī e a expiração através de iḍā-nāḍī ou vice versa, enquanto que nas versões do haṭha-yoga ambas as narinas são usadas. Nas técnicas do haṭha-yoga existe uma ênfase na geração de calor ou prāṇa, o que ajuda outras técnicas potencializarem sua capacidade de purificação. Esse aumento da energia prânica remove os bloqueios das nāḍīs.

Kuṇḍalinī-yoga, neste aspecto, foca no equilíbrio de swara, as narinas esquerda e direita ou o fluxo respiratório em iḍā e piṅgalā-nāḍīs, mais do que no haṭha-yoga. A teoria e lógica comum por trás do kuṇḍalinī-yoga é que ninguém pode praticá-lo até que tenha atingido certa proficiência no haṭha-yoga e pātañjala-yoga, pelo menos em āsana e prāṇāyāma. Portanto, a tradição do Yoga sempre enfatiza a necessidade do haṭha-yoga para se conquistar a purificação física, harmonia e equilíbrio. O próximo estágio é a prática de āsana e prāṇāyāma para harmonizar o fluxo de swara. Então, em um terceiro estágio, kuṇḍalinī-yoga começa. Portanto, o sistema do kuṇḍalinī-yoga nunca é ensinado aos aspirantes em seus estágios iniciais de prática.

Quando você esfrega duas varetas de madeira causando atrito por um certo tempo, fogo é produzido. Da mesma forma, estimulando os prāṇas de maneira particular, você produzirá certos efeitos como febre, furúnculo, diarréia etc. em um nível físico. Imagine então os efeitos de uma prática incorreta em níveis mais sutis. Portanto, um professor qualificado é essencial. Não se aprende prāṇāyāmas através de livros.


Na prática do prāṇāyāma é preciso progredir gradualmente. Não é preciso forçar de mais os pulmões e exaurir sua capacidade, pois os efeitos da prática não acontecem do dia para noite. Você deve considerar as práticas de prāṇāyāmas como técnicas de efeito a longo prazo que precisam fazer parte de seu dia-a-dia. Prāṇāyāma deve ser como água, uma necessidade diária. Pratique com consciência e relaxamento, dessa maneira o prāṇāyāma irá proporcionar os melhores resultados. Uma vez que você passe a experimentar o prāṇāyāma como parte de sua vida, de seu dia-a-dia, passará a ter muito mais respeito pela prática.

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