sexta-feira, 30 de maio de 2014



Saṃnyāsi Atmatattwananda Saraswati

Yoga Magazine, maio e junho de 2002
Śivananda Maṭha, Rikhya, Índia


Paz, felicidade, harmonia. Quem está habilitado a experimentar estes estados? Muitas pessoas hoje em dia estão se esforçando para experimentá-los em suas mentes. Influenciados por suas condições e oprimidos pelas pressões do dia-a-dia, vivendo em uma sociedade cada vez mais estressante, os seres humanos estão cheios de tensões mentais, que se manifestam em ansiedade, nervosismo, culpa, falta de autoconfiança, solidão, medo, obsessões e fobias. Muitos se voltam para as drogas e o álcool como um meio temporário de fuga e consolo. Outros buscam a ajuda dispendiosa de psiquiatras e psicoterapeutas para tentar enfrentar. Todos estão procurando alguma forma de mudança, um pequeno alívio para seus conflitos internos e tumultos. Alguns buscam se sentir à vontade com seus problemas, ou até mesmo experimentar, se não felicidades, pelo menos um pouco de paz e contentamento.

Aqueles que vêm para o Satyananda Yoga podem encontrar e aprender um excelente sistema prático de meditação, conhecido como antar-mouna, o que lhes habilitará relaxar estas opressivas tensões mentais e tornar-se seus próprios terapeutas no processo.

Antar significa interno, mouna significa silêncio. Antar-mouna é uma técnica para levar ao pratyāhāra (retirada da mente dos objetos sensoriais), o quinto estágio do rāja-yoga, e em sua forma última ou completa pode levar a dhāraṇā (concentração) e dhyāna (meditação). Antar-mouna é também uma parte fundamental do Budismo, na prática conhecida como vipassana (um tipo de meditação), usada de forma modificada.

Purificando ou purgando a mente

Geralmente nós tendemos a permitir que bons pensamentos surjam na nossa percepção consciente; nós aceitamos e desfrutamos pensamentos agradáveis. Quando um pensamento desagradável, doloroso ou uma lembrança ruim surgem, nós tendemos rapidamente a puxá-los para baixo, para um estado subconsciente da mente. Isso é repressão e todos nós fazemos isso. Todo mundo tem repressões mentais. Freqüentemente nós estamos condicionados a isso desde a infância, porém, reprimir os pensamentos de que não gostamos definitivamente não é a resposta ou solução. Todo pensamento reprimido que permanece sem expressão causa um bloqueio no livre fluxo da mente. Os pensamentos e experiências ficam submergidos no reino subconsciente da mente em forma latente, causando dor, infelicidade e frustrações na vida.

Estas impressões sutis são conhecidas como saṃskāras. Sem nos darmos conta, nós acumulamos uma vasta quantidade de pensamentos reprimidos, o que produz muitas tensões e distúrbios na mente e na personalidade sem uma causa aparente. Felicidade duradoura e paz mental, são estas as impressões mentais que devem ser plantadas. Isto pode ser comparado como jardinagem. Nós removemos as indesejáveis ervas daninhas da mente. Se nós simplesmente capinamos a superfície, após um alívio temporário, as ervas daninhas retornarão. Todavia, quando nós cavamos profundamente e puxamos a raiz da erva daninha, ela perde sua sustentação e pode ser removida completamente.

Se guardarmos rancores na mente, essas impressões mentais negativas envenenam o psicológico e levam a irritabilidade, agressão, raiva, depressões não específicas, preocupação, um medo infundado e um cansaço permanente. Isso afeta todas as nossas interações na vida e reduz nossa habilidade de eficiência, criatividade e dinamismo em todos os níveis de nossas vidas.

Antar-mouna nos permite esgotar estes pensamentos indesejáveis, provê um meio de purgar ou purificar a mente. Uma vez que estas tensões mentais são liberadas, nós podemos experimentar o surgimento de energias e inspirações novas, e a vida começa a tomar uma nova dimensão. Da mesma forma que nós limpamos nossas casas e o corpo físico todos os dias, nós também devemos desenvolver o hábito de limpar a mente a cada dia, prevenindo a acumulação de mais sujeiras ou entulhos mentais. Para isto, é necessário repetir este processo de limpeza numa base consistente e regular.

A prática de antar-mouna é dividida em seis estágios. Para muitas pessoas, os primeiros três estágios proporcionam muito trabalho, e, para obter seus benefícios, uma considerável quantidade de tempo deve ser empregada praticando e aperfeiçoando estes três primeiros estágios antes de tentar ir para os estágios mais avançados, que só serão apresentados resumidamente neste texto.

{Estágio 1} consciência das percepções sensoriais

O estágio 1 de antar-mouna está relacionado com as percepções sensoriais dos estímulos externos. A consciência é conscientemente direcionada para o foco dos sentidos: observamos o paladar, o olfato, o toque do corpo ao solo, das roupas sobre a pele e então direcionamos a consciência para todos os diferentes tipos de sons que nos chegam, sem analisá-los ou nomeá-los, simplesmente testemunhando a qualidade dos sons. Nós estamos falando que isso é uma técnica de pratyāhāra, mas externalizando nossa consciência pode parecer à primeira vista um paradoxo. Por que estamos fazendo isso? Porque se nós tentarmos internalizar nossa consciência diretamente, o que acontece? Instantaneamente o macaco da mente salta para fora e se distrai com os sons externos, ou cheiros ou as sensações corporais etc. Primeiro, temos de experimentar toda a extensão da consciência nos órgãos sensoriais. Nós temos de saber o que são eles e como eles nos afetam, ou como nós reagimos a eles. Três fatores estão envolvidos: i os objetos externos de percepção (tanmātras – qualidades sensíveis – odores, sabores, sons, e estímulos táteis como temperatura, pressão etc.); ii os órgãos de percepção exteriores (os jñānendriyas: pele, nariz, orelhas, olhos e língua); e iii a percepção interior – draṣta (testemunha) – o que conhece e observa dentro de nós: eu conheço eu estou ouvindo os sons exteriores e eu sei que eu sei. Esta é a forma que a consciência pode tomar.

A conclusão do estágio 1 resulta no aumento da consciência de todas as percepções sensoriais, permitindo, por exemplo, que o sentido de audição se torne como um radar, rastreando desde os sons mais grosseiros até os sons mais sutis, possibilitando nos tornarmos mais atentos (conscientes) ao nosso meio ambiente na vida diária. Todavia, o propósito deste estágio é reduzir a influência dos estímulos externos sobre nossa percepção. É um caso de desinteresse pelo que é familiar. A consciência e a percepção intencional intensa do mundo exterior automaticamente leva ao desinteresse. A mente se aborrece tendo que checar todas as possíveis distrações e assim cessa de se envolver com interesses ou distrações externas. Nós desenvolvemos a capacidade de permanecer centrados, distanciados, completamente indiferentes a qualquer coisa vinda do nosso entorno. Então, o estágio 1 induz ao primeiro nível de pratyāhāra, isto é, dissociação dos sentidos e mergulho no mundo interior, preparando-nos para iniciar o segundo estágio.

{Estágio 2} consciência do fluxo espontâneo dos pensamentos

Neste estágio, nós deixamos o mundo exterior e nos voltamos para o interior para trabalhar com a mente. Nós sentamos de maneira relaxada e começamos a observar a mente. O objetivo é observar e esgotar os saṃskāras, pensamentos negativos, experiências, fobias, antigas memórias, emoções e medos, isto é, escombros inúteis, que surgem de dentro da mente subconsciente. A prática regular deste estágio limpa a mente de antigas impressões negativas e previne o acúmulo de novas impressões desta ordem.

O estágio 2 tem três condições: a primeira é permitir à mente total liberdade para pensar qualquer coisa que quiser, sem nenhuma restrição. Permitir todos os pensamentos borbulharem espontaneamente na superfície, estando atento às emoções ou sentimentos correspondentes, especialmente medo, pânico, cobiça, luxúria, culpa, ódio ou raiva. Não deve haver controle, julgamento ou crítica a nenhum pensamento – eles podem ser sobre trabalho, família, comida, sexo, amigos, inimigos, coisas de que você gosta, coisas de que não gosta, triviais ou importantes, sublimes e belos ou violentos.

Alguns pensamentos podem estar encadeados, outros surgirão ao acaso. Algumas vezes pode haver uma torrente de pensamentos, outras vezes pode haver apenas uma gota. Nada disso importa, o importante é a segunda condição que é nos manter absolutamente vigilantes e atentos ao fluxo espontâneo de pensamentos. Fazemos isso com o objetivo de desenvolver constantemente nossa capacidade de testemunhar, como se nós estivéssemos assistindo TV ou um vídeo, um observador ou espectador não envolvido, observando o fluxo de imagens, pensamentos e eventos com distanciamento.

Durante a prática do estágio dois, nós começaremos a observar as diferentes tendências da mente. Poderemos ver como nós reprimimos pensamentos ou emoções. Quando fazemos isso, nós podemos estar certos de que os pensamentos ou impressões retornarão à superfície com força ainda maior que quando foram reprimidos (isso pode ser comparado a empurrar um brinquedo inflável para debaixo d’água). Testemunhando como nós mantemos reprimidos certos pensamentos, descobriremos quão facilmente nós podemos perder nosso Ser com nossos processos mentais, observando que talvez nós tenhamos alguns padrões de pensamentos repetitivos. A mente pode ser extremamente difícil. Ela ama um bom filme triste, por exemplo, e pode manifestar a tendência de repetir um certo vídeo traumático vez após vez, sabendo que conseguirá uma boa reação emocional a cada vez. Observando o jogo da mente com uma atitude de testemunha, estes pensamentos começam a perder sua força emocional, e, com isso, muitas experiências dolorosas podem gradualmente ser erradicadas.

Depois de algum tempo com este estágio, dando à mente esta liberdade de se expressar espontaneamente, a torrente de falas começa a diminuir. A mente começa a se tornar mais calma. Isto não deveria ser confundido com o silêncio interior, é um estado de sonolência, que frequentemente acontece, especialmente com iniciantes. A tendência de dormir quando se pratica antar-mouna é a forma clássica da mente defender-se de alguma coisa que ela não quer confrontar. Isto é como se a mente reconhecesse que alguma coisa diferente está acontecendo, que você está tomando controle por se perguntar: o que eu estou pensando agora? e então repentinamente a mente se aquieta. Não há pensamentos.

Não se engane pensando que este silêncio é uma conquista, é somente outra forma mais sutil de repressão. Só espere pacientemente por um curto espaço de tempo, imagine você olhando uma estrada vazia e curiosamente o palavrório mental continuará.

A terceira condição é coragem, abertura e honestidade para defrontar com ocultas e suprimidas partes de nossa personalidade que serão reveladas para nós através do antar-mouna. É possível que seja alguma beleza, uma parte amorosa de nós mesmos que tem estado adormecida, ou talvez alguma coisa feia, obscura que tem de ser vista.

Fazendo isso, nós aprenderemos a entender a natureza de nossa mente e suas várias facetas, nos tornamos amigos da mente e nos tornamos atentos a ela, e observamos nossas reações emocionais a diferentes pensamentos. Esse processo nos torna capazes de aceitar-nos totalmente, não como nós gostaríamos de ser, mas como realmente somos.

{Estágio 3} criação e ordenamentos dos pensamentos

No terceiro estágio de antar-mouna, nós conscientemente criamos e ordenamos pensamentos à vontade. Isto é o oposto do estágio dois. Agora pensamentos espontâneos não devem ser permitidos. Você escolhe um tema ou pensamento, então, reflete sobre ele durante algum tempo, gerando tantos pensamentos quanto possível relacionados apenas com o tema escolhido, olhando para o assunto de todos os ângulos e ponderando sobre ele. Se outra pessoa está envolvida, considere o tema do ponto de vista dela também. Após alguns minutos, este tema ou pensamento é rapidamente retirado da mente, como quando um diretor de cinema dá a ordem corta, quando a sena termina, e outro tema é escolhido. Isso pode ser repetido muitas vezes, escolhendo um assunto diferente a cada vez. Ao praticante é pedido escolher confrontar assuntos difíceis, negativos, em lugar de pensamentos inconseqüentes que tenderão a ser uma perda de tempo.

No estágio três, é realmente possível trabalhar num nível psicoterapêutico. Embora o estágio dois ajude a relaxar tensões mentais permitindo que elas surjam sem inibições, há muitos pensamentos subconscientes que estão normalmente retidos em regiões inacessíveis da mente, firmemente fixados e arraigados e não surgem espontaneamente. Neste estágio, o pensamento ou tema escolhido incitam vários outros pensamentos associados. Estes pensamentos conscientemente criados incitam e atraem pensamentos mais fundos e recordações. É como se fosse uma pescaria. A mente é iscada com um pensamento. A isca é posta dentro da água (mente subconsciente) e atrai outros peixes (pensamentos ou impressões arraigadas inconscientemente) que são fisgados, expostos e então libertados. Isto libera os nós e bloqueios psiconeurais. Quando estas memórias e pensamentos são confrontados e integrados, eles perdem sua força e peso emocional. Isso nos conduz a uma claridade, maior compreensão de nós mesmos e poderosa cura interior.

{Estágios 4, 5 & 6}

Estes estágios são níveis muito avançados, e será um desperdício de tempo tentar praticá-los antes de estar bem treinado nos três primeiros estágios. No quarto estágio, a consciência e o ordenamento de pensamentos espontâneos sofrem um refinamento. Agora, muitos pensamentos negativos e distúrbios mentais devem ter sido esclarecidos. A mente deve estar calma neste estágio. Os pensamentos serão de uma qualidade diferente, surgindo de um espaço mais profundo ou mais sutil. Uma nova dimensão da pessoa que pratica pode ser revelada aqui, o nível psíquico. Não se deve prender ou apegar-se ao que surge neste nível. Esse distanciamento é necessário para que não haja distrações.

Quando se entra nestes novos territórios, a capacidade de testemunho deve ser forte. Gradualmente, a mente se torna mais refinada e lúcida. No estágio 5, o objetivo é criar o estado de mente vazia, sem nenhum pensamento: a mente tem que ficar em branco mantendo um estado de consciência alerta. É como um vazio mental, mas não é estado de sono. É śūnya (vazio). Esta fase conduz ao antar-mouna propriamente dito, e deve surgir quase espontaneamente como resultado de ter praticado e aperfeiçoado os estágios anteriores. Algumas vezes, podem aparecer frutos de repressões, mas os pensamentos se tornaram quase insignificantes. Somente quando o estágio 5 é alcançado com sucesso, se é orientado para a prática do estágio 6, caso contrário, a mente poderia se perder em laya (dissolução), inconsciência ou sonolência.

O sexto estágio é consciência de um símbolo psíquico. Aqui, uma consciência constante sobre o símbolo psíquico escolhido é necessária, e é importante não trocar este símbolo por outro. Nesta fase, a pessoa pode deslizar para o estado de dhāraṇā e alcançar o nível de dhyāna.

Benefícios do antar-mouna

Antar-mouna é uma poderosa ferramenta psicológica com a qual nós aprendemos a entender e ser amigos de nossa mente, das tendências e reações que surgem em relação aos pensamentos. Isso nos ajudou a treinar a mente, focar a mente macaco em um ponto, habilidade que muitos de nós não temos. Mais importante, nós podemos aprender a desenvolver e fortalecer o draṣta ou a testemunha interna, o observador de tudo o que acontece. Isso permite que surjam tensões enraizadas, memórias dolorosas há muito esquecidas, medos, ódios e fobias de uma maneira relativamente controlada e desta maneira nos tornamos livres de tais problemas. A prática provê a base para limpar todo o lixo mental – esta é a forma mental de śankhaprakṣalana.

Antar-mouna é útil especificamente para erradicar o barulho mental e induzir um estado de paz, tranqüilidade, precisão e calma mental. Nós podemos considerar a prática como até mesmo uma ferramenta para sair de um estado de escuridão e contração para um estado de consciência onde o ser é luminoso e expandido. Nós podemos transformar toda nossa negatividade neste caminho. De um estado de ignorância ou negatividade, nós podemos passar para um estado meditativo, uma posição neutra de não-ação, não-envolvimento, apenas ser. Isso leva automaticamente a um estado de paz e firmeza na mente, em contraste com o ordinário estado de oscilação ou vikṣipta.

Praticando na vida diária

Antar-mouna não deve ser considerado como uma prática passiva para ser feita sentado. Os estágios 1 e 2 são práticas ativas que podem ser incorporadas em todas as situações da vida diária. Antar-mouna é uma das ferramentas mais úteis para ajudá-lo a conhecer a si mesmo, seus lados escondidos, sua mente e ver como você está reagindo às situações da vida, de uma forma clara e honesta.

Pratique o estágio 1 tanto quando você estiver entrando em um aglomerado, lugar barulhento, uma estação de metrô, como quando estiver comendo, tomando banho ou se vestindo. Pratique o estágio 2 diariamente, sempre, em qualquer situação refletindo repetidamente na pergunta: o que eu estou pensando agora? Tornando-se alerta sobre o que está se passando, sem se identificar com nada. Lembrese: eu não sou estes pensamentos, eu não sou estas emoções, eu sou o observador. Deste modo, o processo de testemunhar começa a se tornar automático, e isso lhe mostrará quem você é, o que você está fazendo aqui, aonde você está indo, e como desenvolver seu potencial e atingir verdadeira paz mental.


Quando a mente é silenciosa e pacífica, ela se torna muito poderosa. Ela pode se tornar uma receptora de felicidade e sabedoria tornando a vida um fluxo espontâneo e uma expressão de contentamento e harmonia. No entanto, este silêncio interior não pode se desenvolver se há um fluxo contínuo de pensamentos e emoções perturbadas. Todo esse barulho interior de pensamentos e emoções tem de ser removido antes de se poder verdadeiramente experimentar o profundo som do silêncio interior.

Swami Satyananda Saraswati


Tradução livre de FernandoLiguori.

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